Sempre acreditei que abençoados são os pais que tem filhos especiais. Acho que somos escolhidos a dedo! Sim porque com eles temos muito o que aprender e a ensinar.
Mesmo sendo um grande desafio é um momento único para nos tornarmos seres humanos melhores! Eu acredito nisso!
Meu filho hoje tem 6 anos. Ele nasceu com uma perda auditiva profunda bilateral, ou seja, surdo!
Criei esse espaço para ser o meu lugar de desabafo. Aqui compartilharei meus desafios, conquistas e também espero ajudar outras mães que tenham filhos surdo como eu ou qualquer outra deficiência.


domingo, 19 de abril de 2020

Depoimento de uma mãe!



Eu tinha 30 anos quando meu filho nasceu!, quase 31!
Guilherme nasceu de 9 meses, um bebê saudável que fez a maioria das coisas dentro do esperado, no tempo certo para um bebê.
Sorriu, balbuciou, sentou, engatinhou, demorou um pouco para andar, mas nada preocupante.

O que o diferenciava das outras crianças?
A Audição!
24 horas após seu nascimento, Gui recebeu seu primeiro não! A negativa que mudaria a sua vida, a nossa vida e o olhar de todos em nossa volta. 
Mal sabia que ali começaria uma dura jornada para nós!
Jornada invisível para a maioria que não faz ideia do que é ter um filho deficiente.
Quem não vive não sabe, simples assim.

Em 2010 eu era só a Sabine que daria a luz ao seu 4º filho.
Sabine com sonhos, planos assim como a  maioria das mulheres.

O teste da orelhinha foi o primeiro de tantos outros exames negativos, que me fizeram entrar no mundo da “Surdez” quase que a força, sem opção de um sim ou não.
O tempo não te dá um tempo para pensar!
Estamos falando de uma criança surda que o quanto antes for diagnosticada e “tratada” melhor!
É o Primeiro passo para o sucesso e uma vida “normal”!
A tecnologia não tem tempo a perder. Mas e o meu medo? Vc engole e vai!

Em 2010 o Guilherme entrou nas estatísticas e tornou-se mais um no meio de 45 milhões de pessoas no Brasil que possui algum tipo de deficiência.
Mas o que são 45 milhões diante de 209 milhões de pessoas?
O que é o meu Guilherme perto de milhões?
Para muitos só mais um número, para mim 100%! Ele tem nome, ele é o Guilherme e tem mãe!
Ele também tem pai e uma família linda mas eu peço licença para falar de mãe para mãe! 
Sabemos que mais de 75% dos pais acabam abandonando sua família após o nascimento de um filho deficiente.
Pude comprovar esse dado nas inúmeras rodas de conversa que tive ao longo dos últimos anos com muitas Mães e mulheres. 
Mulheres fortes, corajosas, cada uma com a sua história. 
Conheci mães que vivem o luto eterno daquele filho que ela não teve, mães que trabalham fora , as que se dedicam 100% do seu tempo para o filho, as que sofrem sozinha pq não tem com quem desabafar.
Conheci mães que não querem fazer ativismo nenhum porque sobreviver já é muito difícil. 
Mães que não falam, mães que não se calam, mães que só falta pedir desculpa para o mundo por ter gerado uma criança deficiente.

Quando eu falo da surdez não é apenas sobre a minha história.
Falamos de histórias e vivências diferentes mas que se encontram e tem vários pontos em comum.

A avalanche de informações que recebemos junto com o diagnóstico, somado às desinformações que também recebemos e na mesma velocidade, 
As dúvidas, o pouco caso das instituições, a briga eterna de IC x Libras, terapias... Tudo isso desgasta e consome qualquer mãe.
É uma dor muito solitária.
Temos medo do presente e do futuro.


Eu queria muito que todos pudessem passar por tudo isso pelo menos 1 dia de sua vida!
Professores, empresários, meus vizinhos, a caixa da padaria, a gerente do banco, profissionais da saúde, advogados, Juízes, ministros, deputados, todos os políticos... cada um que ler esse texto.
Porque de longe é mais aceitável considerar pessoas como número. Não te atinge...
A certa distância fica simples:
Você risca, você tira da frente, pronto e acabou!
De longe somos papéis, números , estatísticas com termos equivocados.
Surdo Mudo, te lembra alguma coisa?

Somos Pessoas que provavelmente você nunca terá vontade de conhecer, não faremos parte do seu convivel social.
Somos invisível!

Bastava 1 dia só do seu ano que tem 365 para sentir na sua pele o que é viver na minha!
Você saberia o que é ser invisível para a maioria.
Talvez começasse também a acreditar em coisas que nunca acreditou antes.
Você iria perceber que seu filho não depende mais de você. Depende do sistema, de leis, do bom senso e da boa vontade alheia.
Medo? Você não teria até esse momento.
Não adianta gritar porque vão te calar.
Você vive pelo seu filho. Você faz tudo para ver ele feliz.
Você quer que ele tenha a oportunidade de ser uma criança comum.
Você terá vontade de jogar a toalha e parar com tudo.
Aula de reforço, fono, médico e terapias...
Você repete que está tudo bem mesmo sabendo que não está.
Não depende de você!
Seu copo vai enchendo, enchendo até que transborda!
Aí você vai gritar, agora ninguém vai te calar.
Você vai gritar com as pessoas, com os órgãos responsáveis, com médicos, com a escola, seja lá quem for .
Pode ter certeza que a partir do momento que você fala, não te olham como uma mãe que luta. Você vira uma cifra que incomoda.
Você ia se sentir pequenininha, impotente até desejar a sua vida de volta.
É nesse momento que trocamos novamente nossos papéis!
Fica tranquila que é só uma simulação!

Quando eu vejo o Gui hoje tão cheio de si, produzindo suas poesias, fazendo conteúdo em seu Instagram, eu percebo o quanto valeu a pena e quanto tudo isso faz muito sentido.
E se você de fato tivesse vivido um dia na minha pele, você saberia o valor que isso tem.
Nunca mais conseguiria me ver como um papel, um número, um peso...

O Guilherme hoje está com 10 anos, no 5º ano de uma escola regular onde a sala em que estuda é bilíngue ( 1 ° língua libras, 2º português escrito)
As crianças surdas ali sempre estiveram em minoria, claro , mas chegamos em 24, 25 crianças e hoje o Grupo está em 12!
A cada ano diminui mais e mais...
O futuro é incerto, mas o que eu já sei é que ano que vem ali acabou para o Gui!O colégio não está preparado para a inclusão. Isso não é um achismo, foram as palavras da direção!

Mas o Gui não chegou lá ontem não, foram há 7 anos!
Mas uma criança surda para um colégio elitista só dá gastos e problemas!
Uma coisa é uma mãe que não fala, não reclama porque nem acredita no filho.
Outra é aquela que está lá cobrando, implorando um tratamento igual não só para o seu mas para os outros que ali estão. Incomoda!

Imagina você que essas crianças precisam de intérprete! 
Olha que absurdo! 
Inclusive em cursos extras! Pq ela não deixa de ser surda de manhã ou aos finais de semana!
O aluno surdo Precisa de conteúdo adaptado e apesar de ser lei, não é bem assim que as coisas acontecem.
A escola não tem verba e ninguém te deixa esquecer que seu filho é bolsista!

De verdade Nem verba e nem vontade!
Posso enumerar diversas situações que me fazem crer que estamos ali por protocolo, para tapar o sol com a peneira...

Tá vendo como não é fácil fazer parte de uma minoria?

Não sei como será o amanhã, ano que vem e o futuro, mas tenho a certeza que se você me procurar por aqui, continuará acompanhando a nossa luta!
Porque ela não para!

Sabine Stark Schaade
41 anos
Mãe do Guilherme 
10 anos